Diremos que se derrubam árvores por quatro razões principais, a saber:
primeira, porque quem o ordena não sabe que a árvore é uma criação perfeita que mantém sempre todas as suas admiráveis qualidades até morrer, e portanto não só toda a vida fornece sombra aos justos, como também, noutro sentido (figurado), faz sombra aos espíritos tacanhos que nunca conheceram qualquer forma de perfeição que seja e por isso se exasperam com inveja das árvores, só lhe querendo mal;
segunda, porque deitar abaixo uma árvore é fácil, rápido e flagrantemente reconhecível , o que dá ao derrubador a sensação de, com simplicidade, haver conseguido uma vez na vida ‘fazer alguma coisa que se veja’;
terceira, porque arrancar árvores introduz nos lugares de onde saem, imediatamente, um aspecto que, por não ser devido a elementos que levaram muito tempo a formar, por isso mesmo merece logo o título de novidade ou modernismo, sem preocupação ou reconhecimento se o que se acabou de fazer ficou melhor ou pior, mas que mitiga, entretanto, o prurido dos que confundem o corte de uma árvore com a ablação de um quisto enfadonho;
quarta e última, englobando ao mesmo tempo o mais mesquinho e o mais grave dos motivos : cortam árvores porque se pode então vender a sua madeira – prémio vil, mas muito superior ao pouco valor que se lhe atribui a mentalidade de quem as derruba;
e cortam as árvore porque nunca alguém lhes disse ou explicou o valor educativo que essa admirável criatura encerra».
Raul Lino . “Sintra: um teleférico e outras ratices”, 1962