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domingo, 19 de abril de 2015

Este verde impossível de ser

Campo
A Alberto Martins de Carvalho


Este verde impossível de ser, 
Que alegre o camponês cultiva a prazo, 
Não dá sequer para me aborrecer 
Na extensão sem fim do campo raso. 

Sem fim, a vida, deixa-se correr 
Lisa e fatal, serena, sem acaso. 
E acontece o que tem de acontecer 
Como quem já da vida não faz caso. 

Nada se passa aqui de extraordinário: 
Tudo assim, como peixe no aquário, 
Sem relevo, sem isto, sem aquilo; 

Muito bucólico a favor da besta, 
O campo, sim, é esta coisa fresca... 
Coaxar de rãs, a música do estilo. 

Afonso Duarte

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Robínia em flor (porque elas andam por aí)

 
Robinia pseudoacacia
The Locust Tree in Flower
Second version

Among
of
green

stiff
old
bright

broken
branch
come

white
sweet
May

again.

William Carlos Williams . "Kora in Hell."

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A poesia vai acabar


A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem)
(...)

Manuel António Pina .  em "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Coisas

(...)
Oiçam!
Certamente se há estrelas acesas-
é que são necessárias a alguém?
É que são indispensáveis,
para que todas as noites
por cima dos telhados
uma estrela pelo menos se acenda?!

Maiakovski . (1914)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Devagar no jardim



Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços,
Como se de novo fosse criada cada coisa.

Sophia de Mello Breyner Andresen . "Dia do Mar" 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O Pastor Amoroso

Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.


Alberto Caeiro . "O Pastor Amoroso"

domingo, 29 de dezembro de 2013

À Luz!...




(...)
Por ti suspiram, sem te ver, dormentes,
As almas vegetais, indefinidas
No mistério noturno das sementes…

Germinando por ti, por ti vestidas.
Sonham aroma, sonham forma e cor,
Em teu alvor magnético embebidas…

E esplêndidas de graça, enlevo e amor,
Erguem-te, ó luz, um ai de luz radiante,
Aberto em beijo, idealizado em flor!...
(...)
Guerra Jumqueiro  no poema "Oração à Luz"

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Uma rosa nas urzes


A boy saw a rose,
A rose on the heather,
So young and beautiful as the morning,
He ran quickly to see it more closely
And looked at it with great pleasure.
Rose, rose, red rose,
Rose on the heather.

The boy said "I'm going to pick you,
Rose on the heather."
The rose said: "I'll prick you,
So that you'll always remember me,
And I will not let you."
Rose, rose, red rose,
Rose on the heather.

And the wild boy picked
The rose on the heather;
The rose fought back and pricked him,
Her complaints did her no good,
She had to let it happen.
Rose, rose, red rose,
Rose on the heather.

Johann Wolfgang von Goethe

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Subitamente ficas na paisagem


Subitamente ficas na paisagem
E olho os teus olhos quentes e antigos...
Tens sol e sede, tens brincos de cerejas
E a pele cheirosa e fresca como água.

Subitamente sinto aquela sede
Dos sobreiros gretados, das estevas...
Mas perto, fonte ardente, dás frescura
À paisagem dormente e abrasadora! 

Cristovam Pavia

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Amor perfeito

Perfeito?
               Não existe.

Nem mesmo num canteiro
de jardim.

Porque a flor,
de veludo suave, lindo e triste,
multicor,
não tem cheiro.

Salvo em mim
- perfume que salvei, quando partiste,
e devolvo num verso ao mundo inteiro.

António Luís Moita

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Árvores



I think that I shall never see
A poem lovely as a tree.

A tree whose hungry mouth is prest
Against the earth's sweet flowing breast;

A tree that looks at God all day,
And lifts her leafy arms to pray;

A tree that may in Summer wear
A nest of robins in her hair;

Upon whose bosom snow has lain;
Who intimately lives with rain.

Poems are made by fools like me,
But only God can make a tree.

Joyce Kilmer . "Trees and Other Poems" 1914

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Jardim Botânico, alimento dos poetas...

Estou contente porque o Jardim Botânico da Universidade de Lisboa ganhou, por mérito próprio e de quem nele votou, o orçamento participativo de Lisboa. Espero que o dinheiro do prémio seja utilizado inteligentemente e que a preservação e o bem-estar da colecção viva do jardim seja o seu principal objectivo. Confesso que não me agrada quando oiço falar em infra-estruturas e espaços de lazer, um Jardim Botânico é um espaço privilegiado de aprendizagem e trabalho e não deve (na minha opinião) ser visto como um espaço de lazer. Pode inspirar artistas mas não serve para expor as suas obras, alimenta os poetas mas não é um local ideal para declamar poesia... Num jardim botânico os visitantes devem acima de tudo aprender a conviver e respeitar todos os seres vivos e para isso têm de existir regras. Um jardim botânico não deve ser um espaço de liberdade e lazer para os visitantes, é-o sim (ou deve ser) para as espécies botânicas e animais que o povoam.

E já que estamos entre Metasequoias e Jardins Botânicos...

No Jardim Botânico de Cracóvia
deparei-me com uma árvore Asiática
com o nome de Metasequoia Chinesa – uma bela árvore
com folhas agulha achatadas.
Mas porquê metasequóia – e não apenas uma sequóia normal?

A metasequóia cresce além de si mesma?
Será que se eleva acima das outras árvores?
Até mesmo as plantas começaram a recorrer
ao misterioso jargão
de certos sábios académicos?


Adam Zagajewski . "Jardim Botânico"

sábado, 28 de setembro de 2013

As tulipas deveriam estar atrás das grades, como animais perigosos

(...)
The tulips should be behind bars like dangerous animals;
They are opening like the mouth of some great African cat,
And I am aware of my heart: it opens and closes
Its bowl of red blooms out of sheer love of me.

Sylvia Plath . do poema "Tulips"

terça-feira, 10 de setembro de 2013

À Tua Porta Há um Pinheiro Manso


À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...

E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

Florbela Espanca

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Paisagem com corvos


Van Gogh
atirava pedras aos corvos
para os esmagar contra o céu
dos seus quadros


José Manuel de Vasconcelos . "A mão na água que corre", Assírio & Alvim, 2011

domingo, 23 de junho de 2013

Nas noites azuis de Verão

Sentation

Par les soirs bleus d'été, j'irai dans les sentiers,
Picoté par les blés, fouler l'herbe menue,
Rêveur, j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds.
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien :
Mais l'amour infini me montera dans l'âme,
Et j'irais loin, bien loin, comme un bohémien,
Par la nature, heureux comme avec une femme.
Arthur Rimbaud . 1870

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Poplar and the Moon


There stood a Poplar, tall and straight;
The fair, round Moon, uprisen late,
Made the long shadow on the grass
A ghostly bridge ’twixt heaven and me.
But May, with slumbrous nights, must pass;
And blustering winds will strip the tree.
And I’ve no magic to express
The moment of that loveliness;
So from these words you’ll never guess
The stars and lilies I could see.

Siegfried Sassoon (1886 - 1967)

sexta-feira, 8 de março de 2013

Receita para fazer o azul

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho da madrugada,
até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areiado meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam com o tempo,
deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez ali o puseste;
e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice
(via)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Voz e aroma



A brisa vaga no prado,
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.

A mim, tornem-me essas flores
Que uma a uma eu vi murchar,
Restituam-me os verdores
Aos ramos que eu vi secar

E em torrentes de harmonia
Minha alma se exalará,
Esta alma que muda e fria
Nem sabe se existe já.

Almeida Garrett

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Pastoral


Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
baínha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.

Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.

Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou.


António Gedeão (Poesias Completas, 1956-1967 )
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