sábado, 27 de abril de 2013

Um assunto pessoal de interesse público



Conheço-a muito bem. Na Primavera, só quando a maior parte das árvores já nos apresentou as novas folhas é que ela se digna a acordar, primeiro, como quem se espreguiça depois de um longo sono, floresce timidamente, depois à medida que o tempo vai aquecendo enche-se de folhas e generosamente dá-nos uma das sombras mais bonitas de que alguma árvore é capaz. Cumpre sempre o Outono com devoção, nessa altura as folhas ganham novos tons e enfeita-se de grandes bolas verdes onde estão cuidadosamente protegidas as suas nozes (a quem ninguém, sem ser ela, dá valor porque são intragáveis) e, mais uma vez, desafia as regras estabelecidas largando as últimas folhas muito mais tarde do que as árvores bem comportadas. No Inverno, despida, não perde a dignidade, e resiste estoicamente a ventos e tempestades (este ano durante a grande tempestade de Janeiro não se partiu nem um ramo). É a Nogueira-negra da minha janela (Juglans nigrae custa-me imaginar a vida sem ela. 

Há dois dias surgiram as primeiras flores em elegantes amentilhos, timidamente surgiram também algumas novas folhas ainda muito pequeninas, reparei nelas e fiquei contente pela promessa de cor e sombra que representam. Hoje de manhã reparei que lhe estavam a afixar uma placa e a delimitar o estacionamento na zona, pensei que preparavam uma poda camarária e fiquei logo preocupada - mau timing, podar árvores em plena floração e quando as folhas se preparam para nascer - abordei os funcionários da CML que estavam no local e pedi informações a resposta foi curta e dura, "isto está tudo podre e vai ser abatido porque é um perigo".  "Isto" são as árvores da minha rua e entre elas está a Nogueira-negra da minha janela condenada a morrer na próxima segunda-feira ente as oito da manhã e as quatro da tarde em plena floração e antes de crescerem as novas folhas.

Não tenho conhecimento de nenhum relatório fitosanitário, não fui (os meus vizinhos também não) avisada de nenhum tipo de intervenção no arvoredo da rua e tenho a certeza de que esta árvore não é mais nem menos perigosa do que todas as outras. Apesar de este ser um assunto pessoal, o que se anda a passar com as árvores de Lisboa é do interesse de todos e se não se faz alguma coisa daqui a pouco tempo em Lisboa as árvores são todas iguais, pequenas, assépticas e descartáveis. Se é isso que querem, tudo bem, mudo-me eu.

5 comentários:

Jorge Pinto disse...

Não Rosa, quem actua e/ou manda actuar desta maneira é que tem de ser mudado, e quanto mais depressa melhor.
Os Jacarandás abatidos na Rodrigo da Fonseca tem uma ficha em que se pode verificar que sofriam de pequenas maleitas mas foram propostos para abate e, esse abate, aceite não se percebe bem por quem. E o abate é feito em 'outsoursing', assim mesmo com este anglicismo e erro ortográfico. Grandes negócios correm por detrás deste pretexto da segurança.

Rosa disse...

Negócios, sim. Mas também muita indiferença e passividade, são poucos os Lisboetas que gostam e se preocupam com a forma como tratam as suas árvores.

ana disse...

os jacarandás abatidos na Rodrigo da Fonseca? Não foi só um?

Rosa disse...

Ana, os jacarandás foram 7 pelo que vi aqui

http://cidadanialx.blogspot.pt/2013/04/afinal-ha-mais-muitas-mais.html

Júlio Reis disse...

O que havia de ter sido era desrespeitar o "Não estacionar, obrigado"… dois carros lado a lado, com a árvore no meio, e depois um carro a cada ponta dos outros dois carros. De preferência com uma fitinha às risquinhas vermelha e branca, e um aviso: “Não cortar, obrigado”. :-)