quinta-feira, 19 de julho de 2007

Desculturados

Populus ? . com 18 anos

Pinus pinea L. (7 anos)

“Era uma casa situada à beira-mar, pendurada como um ninho de gaivotas, na solitária fraga (...) As janelas do poente deitavam para o Oceano, as de leste para uma estéril planície, que terminava ao fundo numa cortina rareada de pinheiros enfezados; das meridionais divisava-se a branca vila da Ericeira.”
Pinheiro Chagas em Tristezas a Beira-Mar (1866)

Neste local, a Ericeira, em que ainda hoje todas as atenções estão viradas para “o mar solitário, imenso (...) às vezes sinistro, sempre melancólico” que referia P. Chagas, a paisagem circundante tem sido desprezada e por muitos descrita como árida e inútil. Em 1876 Ramalho Ortigão na obra As Praias de Portugal refere: “A pobre vila de Mafra (...) constrangida entre o mar e três léguas de terreno inútil (...)” já quando fala da Ericeira que na altura tinha 700 fogos, especifica que: “Em duas casas chegou a avistar alguns livros: caso extraordinário e raríssimo em Portugal, onde nas pequenas casas da província o livro é um objecto de luxo que ninguém se permite (...)" Curiosidade que justifica da seguinte forma: “A existência desta inclinação artística que nos Surpreendeu na Ericeira procede talvez da educação que os marítimos adquirem nas viagens, reunida à natureza especial do solo, que pela sua aridez em torno da vila obriga o viajante a recolher-se e a procurar no interior da sua casa as distracções que o campo e a paisagem não lhe facultam.”

É cada vez mais desoladora a paisagem que circunda a Ericeira, estas terras que Ramalho Ortigão adjectivou de inúteis, revelaram-se de grande utilidade para um novo tipo de actividade, totalmente selvagem e imoral, a construção civil. Afinal deu poucos frutos o “hábito tão moralizador da leitura aos serões” que o escritor pensa ter por cá ter encontrado no sec XIX.

Fernando Namora em 1988 no seu livro de crónicas Jornal sem data, descreve uma visita à Ericeira em que se apercebe que já pouco ou nada resta da “Minha Ericeira de tantos Verões(...) Como se os habitantes da vila tivessem sido expulsos por bárbaros invasores e destruídos os sinais da sua antiga presença. A Ericeira deixara de ser o que era. Quem permitira a devastação? Quem desenhara aqueles mostrengos de arquitectura? Quem caucionara a sanha corrosiva? (...) É que os povos não existem enquanto tal se desculturados.”
É nestes terrenos áridos, desculturados, em terras de gente virada para o mar que crescem as minhas árvores e mesmo que poucos lhes liguem, e só a custo consigam vingar, estou certa que são uma das maiores riquezas que por estes lados se pode ter.

1 comentário:

Miguel Drummond de Castro disse...

O mar por vezes refelecte o nooso estado de espírito - eu vi o mar da Ericeira sem dúvida como forte, impetuoso ...e alegre, com um azul tónico, daquele que apesar de tudo ainda nos dá gosto de viver em Portugal. Só por um dia de azul.